Yaiza Terré fundou em 2008 seu próprio estúdio de arquitetura em Barcelona, onde atualmente desenvolve sua atividade profissional com foco em projetos de reforma e reinterpretação baseados na reutilização e na reciclagem. Aprop Ciutat Vella é uma de suas obras: um edifício de residências de emergência modular feito a partir de containers reciclados, realizado em conjunto com Straddle3 e Eulia Arkitektura. Recentemente, este foi reconhecido com o primeiro lugar no Prêmio Obra do Ano 2021 na versão em espanhol (o melhor da arquitetura construída na América Latina e Espanha). Por isso, nos aproximados desse projeto para conhecer mais de sua prática arquitetônica.
Na entrevista que apresentamos a seguir com Yaiza Terré, entenderemos a importância deste último prêmio em sua capacidade de abrir o debate sobre a regeneração e a crise habitacional nas cidades. Ao mesmo tempo, o questionamos sobre suas inspirações, interesses e motivações acerca da recuperação e revalorização; entendemos um pouco mais sobre seu processo de trabalho colaborativo e reflexivo; e abordamos seus próximos projetos e projeções para o futuro das cidades espanholas.
Fabián Dejtiar (FD): Para começar, seus projetos giram majoritariamente em torno da reabilitação e da reinterpretação de espaços a partir da reutilização e da reciclagem. O que te inspirou quando começou a trabalhar com isso?
Quando assumo um projeto, estou interessado, antes de propor, em sentir o que o projeto me sugere, em me deixar surpreender. Suponho que isso se deva em parte a minha natureza reflexiva e observadora. Entendo meu trabalho como o processo de transformação de um espaço, com sua própria história e vida, e no qual nunca se começa do zero ou se chega ao fim. Portanto, o que eu faço é participar em um determinado período de tempo na evolução de um lugar.
Utilizo o diálogo que se cria com o espaço para sua transformação, sem eliminá-lo, mas acrescentando camadas a ele. Sou atraído por espaços formados a partir de camadas que podem sugerir o que aconteceu nelas, mas cuja reflexão não é literal, mas aberta à interpretação.
É por isso que, até certo ponto, eu gosto da ambiguidade. Gosto das contradições presentes nas cidades, de suas tensões, de suas indefinições e de sua desordem. Parece-me que é aí que acontecem coisas interessantes, espontâneas e imprevisíveis. Neste jogo de ambiguidades, os usuários podem assumir o espaço de forma mais livre e redefini-lo constantemente sem se darem conta disso.
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Centro de Criação Artística Hangar / Yaiza Terré + Arantxa Manrique
Para conseguir que isso aconteça, ao projetar não se pode adotar uma atitude invasiva, mas sim saber apreciar os silêncios.
FD: Hoje, diante dos atuais e acentuados desafios globais em que nos encontramos (crise climática, crise de saúde e crise econômica), você acha que suas energias estão direcionadas na direção certa? Qual você acha que deveria ser o principal papel da arquitetura?
YT: As crises atuais mostram o quão insustentável é nosso estilo de vida e as consequências catastróficas que ele tem para o ecossistema. Diante deste cenário, devemos aproveitar ao máximo os recursos existentes, reutilizando, recompondo ou reparando.
Se fôssemos consequentes, em vez de continuarmos a crescer, dedicaríamos nossas energias à recuperação do território que arruinamos e fragmentamos. Demoliríamos em vez de construir. Regeneraríamos e naturalizaríamos o meio ambiente ao invés de criarmos um modo de vida cada vez mais complexo e artificial. Pensaríamos em espaços que sejam saudáveis, bonitos e em harmonia com o ambiente.
A crise sanitária mostrou que a qualidade dos espaços em que vivemos é essencial para nossa integridade física e mental. Precisamos projetar lugares saudáveis, o contato com a natureza torna-se essencial, nossos edifícios devem se relacionar com ela de uma maneira diferente, tendo consciência de que somos parte dela, em vez de usá-la para explorar seus recursos.
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Por todas essas razões, acho que é uma boa opção optar pela reabilitação, apreciar o que temos, cuidar e preservar. Não apenas os espaços construídos, mas também os espaços verdes.
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Aprop Ciutat Vella Residência tática de emergência / Straddle3 + Eulia Arkitektura + Yaiza Terré
Procurar vazios urbanos, lugares de oportunidade e aproveitá-los para acrescentar novos usos é também uma estratégia que permite a otimização dos recursos, concentrando ações em vez de dispersá-las por todo o território.
FD: Neste sentido, como você trabalha? Como isso se traduz em seu processo de projeto?
YT: Como expliquei, procuro partir das pré-existências dos lugares, reavaliá-los para dar-lhes outro uso, agindo o mínimo necessário e da maneira mais simples possível.
Tento trabalhar com artesãos, com pessoas que conhecem e amam seu ofício: ceramistas, marmoristas, marceneiros, tapeceiros, ferreiros, vidraceiros, etc. porque sua bagagem, a habilidade que eles herdam, traz um valor agregado à obra. Tento usar produtos naturais, feitos à mão, de beleza imperfeita. Duráveis e de bom envelhecimento.
Outro aspecto no qual esta visão é traduzida é o propósito de captar a essência dos usuários a quem o espaço se destina. Dedico muito tempo a cada projeto porque para mim é importante garantir que o ambiente criado reflita o caráter das pessoas que o habitam. E isso emerge pouco a pouco, em cada desenho, em cada conversa, em cada reflexão.
Todas estas ferramentas me ajudam a propor onde e como agir em cada caso, além de introduzir outras disciplinas artísticas em meus projetos em colaboração com diferentes profissionais.
O resultado é a soma dos estratos dos quais eu estava falando no início, o que enriquece os lugares e lhes dá vida. Novas memórias são adicionadas à memória do lugar.
FD: A partir da Espanha, seu trabalho está sendo amplamente reconhecido - seus projetos ganharam inúmeros prêmios e agora você ganhou o Prêmio Obra do Ano 2021 juntamente com Straddle3 e Eulia Arkitektura com o edifício Aprop Ciutat Vella. Que tipo de valor você vê nestes reconhecimentos? O que esta grande difusão lhe permite hoje em dia?
YT: Sinto-me muito grato porque é um reconhecimento do esforço feito ao longo de anos. Às vezes a profissão de arquiteto é complicada, requer muita dedicação e esforço pessoal e muitas vezes é subvalorizada. O trabalho rápido e econômico vem antes do escrupuloso e cuidadoso que implica uma aposta pessoal. Aproveito para reivindicar a profissão, já que ter um escritório próprio com o modelo econômico atual acaba se tornando quase um ato heróico!
É por isso que a visibilidade oferecida pelos prêmios é valiosa, para ajudar a lançar as bases e continuar pesquisando e trabalhando na mesma direção.
O caso do Aprop Ciutat Vella teve tanta repercussão porque mostra uma preocupação generalizada em dar uma resposta à crise habitacional que estamos sofrendo nas cidades. E isso gera um debate muito necessário sobre como lidar com essa situação.
A difusão, além de motivar esta reflexão, está permitindo divulgar um sistema construtivo muito pouco utilizado em edifícios públicos (na Espanha foi o primeiro) e fazendo com que as administrações ou empresas privadas se interessem em utilizá-lo.
FD: Que projeções você tem para o futuro de sua arquitetura na Espanha? Há novos projetos a caminho?
YT: As cidades exigem respostas imediatas à crise atual e a construção industrializada está em plena expansão. Há uma necessidade de edifícios modulares e recicláveis que se adaptem às mudanças das necessidades da sociedade. Para mim, o desafio é resolver esta demanda de forma específica, atendendo às particularidades de cada caso e respeitando a essência dos bairros. A experiência, a repercussão e o sucesso deste primeiro protótipo nos permite continuar pesquisando novas fórmulas.
Por outro lado, estamos trabalhando na conversão de edifícios para adquirir moradias subsidiadas nos arredores de Barcelona e recentemente ganhamos o concurso para reabilitar os espaços do subsolo do Gran Teatre do Liceu de Barcelona, um lugar emblemático em minha cidade natal. Estou muito entusiasmado com este projeto e espero poder contribuir para abrir o teatro ao bairro de Raval para que seus residentes possam se apropriar dele.